20 julho, 2023

Ó tiro, ó tiro

    Sou fã de séries de investigação policial. Não tanto pela parte técnica e de procura de provas, mas mais pela forma como as personagens interagem, entre si e com os suspeitos. E o mais giro é ver as diferenças de cada lado do oceano. As séries europeias focam mais o desenvolvimento da história e o desmontar de um enredo complexo, e as norte-americanas são mais orientadas para a acção, com perseguições e tiroteios por todo o lado. A arte imita a vida, ou a vida imita a arte? Fica por descobrir.
    Começando pela diferença mais fácil de identificar, as séries têm durações diferentes: as europeias normalmente duram 90 minutos, as norte-americanas duram 40. Para descobrir quem matou a velha, os europeus vão ter com cada suspeito um monte de vezes, porque só fazem uma pergunta de cada vez. Começam com um “conhecia a velha?”, passam por um “sabe quem quereria matar a velha?” e o sempre clássico “foi você que matou a velha?”, perguntas que são sempre respondidas com meias verdades. Demoram mais tempo, mas, pelo meio, há muita conversa entre eles e com as suas famílias, com uma pequena paragem no pub local para rever o caso, onde acabam por deslindar uma trama altamente intrincada em que o vizinho da velha queria um canteiro que tinha sido retirado à sua família em 1870, mas como sabia que o talhante odiava a velha, matou-a com um cutelo e deixou restos de carne de porco pelo terreno para incriminar o talhante.
    Do outro lado, os norte-americanos só vão fazer perguntas uma vez, porque à segunda já sabem quem foi. A grande preocupação é provar que toda a gente está a mentir. Normalmente saltam logo para um agressivo “foste tu que mataste a velha?” e não acreditam na resposta até não haver mais formas de mostrar que o suspeito é culpado. Quando descobrem o culpado, em geral foi só uma pancada na cabeça porque a velha o viu a esconder dinheiro e não quis ser descoberto.
    A vida pessoal é, no entanto, uma coisa em comum, abordada de forma diferente. Há sempre algum familiar na série europeia que faz parte da empresa, ou grupo coral, igreja, equipa de ciclismo, da velha que foi morta, e está sempre metido ao barulho. Na série norte-americana, a família é mantida à distância, só aparece no início e no fim, mas o caso está sempre relacionado com a vida pessoal de um deles. Se o filho não quer comer sopa, o caso é relacionado com uma família em que uma criança não come sopa, e o investigador tem de reequacionar a sua vida ao ritmo do caso.
    Quando se chega ao confronto final, aí é uma divergência absoluta. Os europeus vão ter com o culpado e explicam-lhe tudo o que ele fez e como o descobriram. Vão falando até ele confessar que o raio da velha estava a pedi-las, e fica tudo bem. Já os norte-americanos descobrem sempre em stress e na única altura em que não conseguem falar uns com os outros, o que ainda dá mais stress. Passam o dia agarrados ao telefone excepto quando estão sozinhos com o culpado. Depois é essencial que toda a gente tenha armas e haja um enorme tiroteio, onde toda a gente morre, excepto o culpado. Este bandido tem de responder perante a justiça por matar a velha, os capangas são dispensáveis. Deve ser por isso que são todos atingidos no peito, enquanto o culpado é só no ombro. Não há nada que não se resolva ao tiro.