20 setembro, 2023

O meu reino por ¼

    Estamos naquela altura do ano em que mais se fala de quartos. É um bocadinho como o ciclo da água, começa como um problema sólido, vai-se derretendo, e evapora-se. Mais tarde, começa a condensar e torna-se sólido de novo.
    Com o regresso às aulas, muitos estudantes têm de se mudar para outra cidade e procurar um sítio onde ficar, momento esse em que se repara, escandalosamente, que os preços dos quartos são altíssimos para condições baixíssimas (excepto numa certa e determinada residência em Lisboa). Quase parece o mercado imobiliário nas grandes cidades. Na volta, estão relacionados.
    No entanto, não parece haver grande razão para isso acontecer. Até parece que os estudantes passam muito tempo em casa. Durante o dia, estão na faculdade, à noite, vão sair. Na verdade, só precisam de um sítio para dormir e guardar as coisas, e para tomar banho, caso seja necessário. Não se gasta assim tanta energia, e a degradação do espaço é mais ou menos a mesma que a de um edifício abandonado. A única altura em que usam os quartos é ao fim de semana. Não vale a pena ir a casa porque os pais estão no segundo emprego que arranjaram para pagar a renda. Quase podia ser por ganância, não fosse a ideia ridícula de alguém se estar a aproveitar de estudantes. Felizmente, agora há a nova lei da devolução das propinas por cada ano trabalhado em Portugal. Isto significa que, num curso de 3 anos, é devolvido o suficiente para uns 5 ou 6 meses de renda. Os outros 30 ficam logo mais leves.
    O mais estranho, e também a semelhança mais forte com o ciclo da água, é ser, de facto, cíclico. No início do ano escolar, é um problema gritante. Todos os jornais escrevem artigos onde apresentam valores médios das rendas, e mostram indignação. As televisões fazem reportagens à paisana com câmaras escondidas a falar com velhotas que alugam quartos pequenos em caves sem luz natural a 400€ por mês, sem recibo, e mostram indignação. Entretanto, as aulas começam, a maior parte dos estudantes já tem onde ficar, e têm de estudar. Depois, mete-se o natal e a época de exames, e não dá para pensar nisso. A seguir, vem o segundo semestre e é preciso estudar outra vez, depois exames, e pronto, acabou o ano.
    O chato é o calendário, porque isto acontece sempre ali no final de Agosto, início de Setembro, e os partidos costumam estar ocupados com a rentrée, que é o equivalente à época de exames. Só se pode pensar nisso quando acabar.