20 agosto, 2024

Gente conhecida é outra coisa.

O post de hoje vai ser diferente. Antes de começar, gostava de deixar uma mensagem do nosso patrocinador... não, brinco. O que temos é uma colaboração especial de Tiago Serôdio, um amigo de longa data, e também colega de longa data, não só na escola como em trabalho, autor do blog Impaciência Crónica, e (atrevo-me a dizer? sim) a pessoa mais criativa que conheço. 

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    A Escola Secundária Rainha Dona Leonor é descrita, na wikipédia, como “uma escola de betos de Alvalade”. Esta informação não é de todo relevante para o texto que se segue, mas achei gira.
    No outro dia estava na rua, dirigindo-me para sítios, quando me cruzo com um indivíduo cujo semblante fez disparar alarmes metafóricos dentro da minha cabeça. Eu conhecia aquela cara! Mas de onde?.. Seria da televisão?? Seria um actor famoso??? 
    Enquanto, em segundo plano, o meu cérebro vasculhava furiosamente todas as memórias disponíveis, em busca de uma referência ao sujeito; o meu consciente deleitava-se com a história que teria para contar ao jantar. Havia apenas um problema: eu sou bastante ignorante no que toca a ficção nacional! Não vejo novelas, vejo poucas séries, não sigo revistas/sites  cor-de-rosa… Então onde o poderia ter visto?
    De repente, fez-se o click! O meu cérebro puxou para primeiro plano as memórias referentes à personagem e… era só um miúdo que conhecia da escola, dos mais novos, que andava para lá a correr…
    Não sei porque presumi que seria alguém famoso. Terei eu olho para o talento? Quereria só uma história para contar ao jantar? Ou será que reconhecer pessoas da infância me faz pensar “Ish, este miúdo já está assim tão velho? Mas isso quer dizer que eu estou ainda mais velho!”, e por isso o meu cérebro arranja estratagemas fraquinhos para deflectir? Acho que nunca saberemos.
    A única coisa que sabemos é que, afinal, era só uma pessoa que conheço… Porque gente conhecida é outra coisa.
    Vemo-nos por aqui.

20 julho, 2024

O fantasma do século passado

    Ver filmes de terror (que já em si é um mundo) com fantasmas é normalmente repetitivo. Ou então, o problema é meu, porque são os filmes que me incomodam menos no género do terror, e estou sempre a ver a mesma coisa.
    No entanto, são repetitivos. Os fantasmas são sempre do século XIX, com valores de decoro e religião que chocam violentamente com os actuais moradores das casas assombradas, e têm sempre uma grande angústia ou raiva por resolver. Consigo perceber que se insurjam. Uma pessoa morre zangada, e depois entram-nos em casa uns hippies que não tomam banho, com calças de cânhamo e sandálias (e que, ainda por cima, não são casados!), a protestar que trabalhar é difícil enquanto passam o dia à conversa com colegas no computador. É fácil de imaginar que os queiram fora dali.
    Mas porquê serem sempre do século XIX? Não podia ser um homem do renascimento, sempre curioso e criativo? Podia aterrorizar de formas imaginativas, ao mesmo tempo que tentava perceber como funciona um computador ou a internet. Ou alguém do tempo do império romano. Também deve ser assustador andar alguém pela casa a falar numa língua morta. E do século XX? Deve haver poucas coisas piores do que acordar a meio da noite com alguém a cantar foleiradas dos anos 80, ou a gritar “EEEEEH MACARENA!”.
    Por outro lado, se for um fantasma dos anos 70, já deve ser mais chato do que assustador. Aquela malta passava o tempo a fumar, e a falar da revolução permanente. Deve ser horrível ficar acordado a noite toda com um homem de bigode a falar de mudanças profundas do sistema para garantir direitos e igualdades, e a ouvir o barulho das calças à boca de sino enquanto anda pelo quarto. E pior, acabam as frases todas com “pá”. É de perder o juízo, e ficamos com a casa a cheirar a tabaco para sempre.
    Um filme de fantasmas que queira apelar ao público actual, tem de inovar. E como? Com o que assusta mais ao dito público. Um fantasma idoso que está sempre a pedir ajuda para ver mensagens no telemóvel, ou a tentar aceder a uma página na internet. Um idoso com manias à antiga, que acrescenta talheres de peixe e de entrada quando pomos a mesa para uma refeição de carne, e que volta a guardar tudo nas gavetas porque está desarrumado. Coisas pequenas do dia-a-dia que incomodam mesmo. Quem não morreria de medo por ver janelas que se fecham sozinhas quando quer arejar a casa? É que as correntes de ar são mortíferas.

20 junho, 2024

O que conta é a intenção

    Ao longo da vida, vamos aprendendo lições. Não estou a falar na escola, só das que aprendemos no dia-a-dia. Algumas são voluntárias, outras involuntárias. Vamos fazendo umas coisas, e descobrimos resultados e consequências. Por exemplo, ao lavar roupa branca com uma t-shirt vermelha, o resultado é passar a ter roupa cor-de-rosa e uma t-shirt vermelha. A consequência, só descobrimos quando já não estivermos sozinhos em casa.
    As reacções também podem ser lições novas, tanto as nossas como as de outras pessoas. As nossas até são fáceis de entender, as de outros são mais difíceis. Quem nunca tropeçou e deixou cair um tabuleiro com comida? Um belo bolo de aniversário? Eu já, e a reacção que recebi foi um perplexo “então??”. O que é estranho, porque não é propriamente de propósito que se deixa cair um bolo ao chão. Ou, se fosse, ao menos não caía em cima do bolo, sempre evitava ficar todo sujo e ter de trocar de roupa. Um clássico quando se assiste a uma situação destas (além do muito português “bem feito”) é alguém dizer “não vinhas com atenção”. O que é uma boa observação, no entanto, o bolo continua no chão. A par desta observação, a que mais se ouve é “cuidado”, especialmente, depois de se bater com a cabeça nalgum sítio, que também dá imenso jeito.
    O que gostava de fazer era dar a volta e responder com um pouco de humor. Por exemplo, como se fosse conhecimento científico. Podemos estar a querer testar se um bolo explode por todo o lado ou fica só espalmado, e aí justifica-se um “era mesmo o que queria fazer, para saber o que acontece a um bolo quando cai ao chão”. Ou se as janelas dos vizinhos são resistentes o suficiente para levar com um remate à Oliver Atom do meio da rua. Ou se a loiça de natal se parte da mesma maneira que a loiça que usamos todos os dias.
    Uma excepção a esta ideia é em caso de acidentes de automóvel. As seguradoras não precisam de muito para nos entalar, é melhor não lhes dar argumentos…

20 maio, 2024

A importância qualitativa do um

    O nosso mundo está cheio de comentários. Seja nas notícias online, nas redes sociais, ou nas televisões. E na maior parte deles, há uma coisa em comum. Que é o “um”.
    Um, diz-nos a música, é o número mais solitário que há, mas é também um indicativo (ou garante, como se usa agora na política) de qualidade. O “um” indica algo único e específico. Nos debates legislativos, os deputados pedem uma política para a habitação, saúde, e tal, mas não políticas para a habitação, saúde, e tal. Logo, uma política é melhor que políticas.
    No desporto, “um” indica um jogador-tipo, melhor do que os outros, incluindo o próprio. Quantas vezes já foi dito que “para ter vantagem contra determinado adversário, é preciso ter um Rafa na frente”? Inúmeras, no entanto, não se está a falar especificamente de ter o Rafa na frente. É um jogador como ele, mas não necessariamente ele, o que não faz muito sentido, visto que o Rafa é, de facto, o Rafa. Há que ter liderança no eixo da defesa com um Ricardo Carvalho, mas não precisa de ser o Ricardo Carvalho. Por alguma razão, um Ricardo Carvalho é melhor do que o Ricardo Carvalho.
    À mesa, temos a mesma situação. Esta refeição fica bem com um vinho do Porto. Não com vinho do Porto, mas com UM vinho do Porto. Tal como também tem mais peso dizer que se quer comer uma feijoada do que dizer que se quer comer feijoada. Um bife à Império é mais saboroso do que o bife à Império.
    Na volta, devia mudar o nome deste blog… Num chão da sala? No chão de uma sala? Num chão de uma sala?

20 abril, 2024

I’m doing my part!

    Vivemos tempos conturbados, não há como negar. E ao que parece, vão ser ainda piores (vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem). Seja na Ucrânia, na Palestina, ou em Taiwan, vem aí uma tempestade. E isto é sem falar de todos os outros conflitos a decorrer no resto do mundo.
    Nós temos sorte. Viver em Portugal é viver numa bolha, dentro da bolha que é a UE, dentro da bolha que é o mundo ocidental. Esta sorte pode estar a acabar. Eu sou dos que acredita que a Rússia não está interessada só na Ucrânia, e considerando que no final do ano o maior apoiante do presidente russo pode ser reeleito nos EUA e sair da NATO, diria que estamos em perigo, mesmo estando longe geograficamente.
    A pensar nisso, voltou a falar-se com mais força do serviço militar obrigatório (SMO) em Portugal. Como habitual, foi tirado do contexto. O que li do que disse o Capitão Iglo das vacinas foi que se devia estudar essa hipótese. Portanto, para a opinião pública, o SMO vai começar no final do mês. Não sei como uma coisa levou a outra, mas entretanto houve vários textos a falar sobre isso. Este vem fora de tempo, mas é só mais um e ninguém lê este blog, até parece que faz diferença.
    Li um texto em que se referia ao serviço militar na Constituição como um direito e um dever. Penso que não só está certo, como é algo de que todos temos de ter consciência. No entanto, não concordo que isso leve ao SMO. Não tenho nada contra o serviço militar, apenas contra o facto de se obrigar alguém a fazê-lo. Em geral, as pessoas que são a favor não são as que serão obrigadas a fazê-lo. Ou porque já o terão feito ou por terem seguido a carreira militar. Mas argumentam que faz bem a toda a gente, porque lhes fez bem a eles, tal como faz bem a toda a gente trabalhar a 100% no escritório no período pós-pandemia. Somos todos iguais no que toca ao que faz bem. É aquele paternalismo do “vais ver que mais tarde me vais agradecer”. E também do “acho que deve ser feito, mas não por mim”.
    Eu sou das primeiras gerações a fazer o Dia da Defesa Nacional, onde nos são apresentados os três ramos do serviço militar e nos é dada a opção de querer saber mais e escolher seguir por esse caminho. Sou, portanto, da geração que reivindica pelos direitos, e refila com o resto. A opinião da minha geração vale um bocadinho menos do que as outras, mas se para combater o menor número de voluntários é preciso obrigar pessoas a fazê-lo, diria que se está a seguir pelo caminho errado.
    Há o argumento que o SMO é uma escola de cidadania. Nunca pensei que cidadania se adquiria com alguém aos gritos connosco o dia todo, com castigos físicos, obediência inquestionável à hierarquia, e tratamento duro em geral. Se a cidadania precisa de uma escola, na volta era mais adequado fazê-lo, lá está, na escola.

20 março, 2024

De [que estás] a falar?

    Nos últimos tempos, tenho [estado] mais atento a notícias nos jornais online. Só para ter uma ideia se vamos todos [para a] frente leste, nada de mais. Reparei que agora há mais artigos com citações que [usam] parêntesis rectos para, de certa forma, “compor” a citação. Assim, a frase “isso é uma situação preocupante” torna-se “[a anexação ilegal] é uma situação preocupante”, que é muito mais fácil de perceber.
    No entanto, há citações [que não] fazem sentido sem o que é corrigido, o que me [deixa] curioso por saber como era a frase real, ao ponto de parar de ler o artigo e fazer suposições. Sem ser obsessivo, [claro]. Mas quando leio frases como “também [tenho] um, mas não uso”, a real questão é o que está o “tenho” a substituir? E “quando chegar a ocasião, [conto] estar presente”? O “conto” era um “vou”? “Estou a pensar”? E não podiam estar lá? Às tantas, já nem sei [o que estou] a ler, só quero descobrir o que lá podia estar. Algumas puxam [mais pela] curiosidade, porque parecem estar em pontos aleatórios nas frases.
    O que me fez pensar: será que dá para escrever um artigo que só faça sentido com parêntesis rectos?

20 fevereiro, 2024

Dia dos namorados

    Estamos na altura do dia dos namorados. Com toda esta animação, faz falta relevar um ponto de vista muitas vezes ignorado.
    O nome é dia dos namorados, mas na verdade é mais o dia das namoradas. Neste dia, o namorado planeia um dia especial, com um jantar especial, uma prenda especial, um passeio especial, uma noite especial, tudo especial, para a namorada. Se não fizer, incorre na sua fúria, e depois tem de se redimir e compensar o erro.
    Tudo isto, num dia escolhido aleatoriamente. Na verdade, não é aleatório, é relacionado com a morte do mártir São Valentim que, além de ser associado ao amor, é também o santo padroeiro da cidade de Terni em Itália, da epilepsia, e dos apicultores. Um santo muito ecléctico. Mas o que interessa, é que este dia é o escolhido para mostrar o quanto se gosta da nossa cara-metade. E o resto do ano? Não conta? Basta garantir que se arrumam as compras e não se ressona?
    Não sou grande fã deste dia. Não acho que faça muito sentido haver um dia em que é mais essencial mostrar o que sentimos do que nos outros. Além de que acho que devia ser o dia do casal. É um nome mais apropriado e inclusivo, e retira a pressão desigual sobre os namorados. No entanto, não recomendo tentar isto em casa. Eu tentei e agora tenho autorização para dormir no sofá até pedir desculpa.