20 julho, 2024

O fantasma do século passado

    Ver filmes de terror (que já em si é um mundo) com fantasmas é normalmente repetitivo. Ou então, o problema é meu, porque são os filmes que me incomodam menos no género do terror, e estou sempre a ver a mesma coisa.
    No entanto, são repetitivos. Os fantasmas são sempre do século XIX, com valores de decoro e religião que chocam violentamente com os actuais moradores das casas assombradas, e têm sempre uma grande angústia ou raiva por resolver. Consigo perceber que se insurjam. Uma pessoa morre zangada, e depois entram-nos em casa uns hippies que não tomam banho, com calças de cânhamo e sandálias (e que, ainda por cima, não são casados!), a protestar que trabalhar é difícil enquanto passam o dia à conversa com colegas no computador. É fácil de imaginar que os queiram fora dali.
    Mas porquê serem sempre do século XIX? Não podia ser um homem do renascimento, sempre curioso e criativo? Podia aterrorizar de formas imaginativas, ao mesmo tempo que tentava perceber como funciona um computador ou a internet. Ou alguém do tempo do império romano. Também deve ser assustador andar alguém pela casa a falar numa língua morta. E do século XX? Deve haver poucas coisas piores do que acordar a meio da noite com alguém a cantar foleiradas dos anos 80, ou a gritar “EEEEEH MACARENA!”.
    Por outro lado, se for um fantasma dos anos 70, já deve ser mais chato do que assustador. Aquela malta passava o tempo a fumar, e a falar da revolução permanente. Deve ser horrível ficar acordado a noite toda com um homem de bigode a falar de mudanças profundas do sistema para garantir direitos e igualdades, e a ouvir o barulho das calças à boca de sino enquanto anda pelo quarto. E pior, acabam as frases todas com “pá”. É de perder o juízo, e ficamos com a casa a cheirar a tabaco para sempre.
    Um filme de fantasmas que queira apelar ao público actual, tem de inovar. E como? Com o que assusta mais ao dito público. Um fantasma idoso que está sempre a pedir ajuda para ver mensagens no telemóvel, ou a tentar aceder a uma página na internet. Um idoso com manias à antiga, que acrescenta talheres de peixe e de entrada quando pomos a mesa para uma refeição de carne, e que volta a guardar tudo nas gavetas porque está desarrumado. Coisas pequenas do dia-a-dia que incomodam mesmo. Quem não morreria de medo por ver janelas que se fecham sozinhas quando quer arejar a casa? É que as correntes de ar são mortíferas.