Agora que estamos a uma distância de segurança do apagão, podemos reflectir sobre o dia. Em relação à minha experiência, vou só dizer que adorei, já houve gente suficiente a falar sobre isso. O que me lembrei foi que estas coisas são pouco frequentes.
Cresci nos anos 90 e, de vez em quando, a luz ia abaixo. Havia uns tremeliques nos candeeiros e já se sabia que ia acontecer. Também vivi o grande apagão da cegonha, que deixou metade do país às escuras (os negacionistas vão dizer que uma cegonha não podia fazer tal coisa). Em geral, era esperar um bocadinho e lá voltava. No caso da cegonha, foram duas horas. Tudo normal. A evolução tecnológica fez com que estes acidentes fossem cada vez mais raros, o que é bom, mas perde-se o encanto de ter velas espalhadas pela casa. Agora, se o quisermos fazer, tem de ser por vontade própria. Não tem a mesma magia.
Também sabíamos que no Inverno havia zonas que ficavam alagadas. A Praça de Espanha tornava-se numa piscina municipal e podíamos ver carros e autocarros a passar pelo meio a fazer ondas. Agora está tudo (mais ou menos) desentupido, e a tuneladora da câmara municipal vai tratar do resto.
E nas comunicações? Quem não se lembra de esperar pelas nove da noite para ligar pelo telefone fixo, porque era mais barato? E ter ataques de pânico porque se carregava sem querer no botão da internet no telemóvel e o saldo desaparecia? Agora temos uma subscrição mensal que tirou este frisson da comunicação. Estamos permanentemente contactáveis. Dantes, alguém ia viajar e só sabíamos que estava vivo quando aparecesse na zona de chegadas do aeroporto. Agora, com ajuda das redes sociais, sabe-se tudo a toda a hora. Se não atendermos o telefone à hora de almoço, temos a polícia a bater à porta à noite porque os nossos amigos ficaram preocupados.
Há uns meses, apanhei um acidente na A1 que cortou as três faixas, e acabei por ficar quase 90 minutos estacionado no meio da auto-estrada. Faltou-me um livro, mas soube bem desligar durante aquele tempo, tal como depois no apagão. Se não tiver de ser eu a tratar disso, gostava de repetir.