20 dezembro, 2025

Perdido na tradução

    Cada língua tem as suas particularidades e algumas coisas não têm tradução. O caso mais famoso é a palavra saudade, mas também podemos referir o mais obscuro fni (sensação de ter a meia enrolada no calcanhar). No entanto, a geografia é quem perde mais.
    Por exemplo, em Inglaterra muitos nomes têm origens normais. Newcastle upon Tyne é fácil de perceber de onde vem, e Stoke-on-Trent é parecido, sendo que Stoke tem origem na palavra stoc do inglês antigo que significa lugar, no rio Trent. Mesmo York (onde o imperador Constantino foi coroado) tem origem no termo Eoforwic, que depois ficou Éorvik, Jórvik, Jórk, e por fim, York. Já no País de Gales, optaram por atirar letras ao calhas.
    Nos Estados Unidos, tirando os nomes de pessoas ou das cidades europeias de onde a população tinha origem, é bastante mais prático. Temos o exemplo de Riverbend, que é a zona onde um rio faz um cotovelo. Simples e directo. Nos Estados Unidos, há pelo menos sete, no Canadá mais três,  e na Austrália mais um. Little Rock, capital do estado do Arkansas (que não se lê Arkansas), tem o nome de uma formação rochosa usada por viajantes para localização.
    Mas nenhum deles tem nada como Gulpilhares. Quando procurei pela origem do nome, descobri que vem de vulpe, raposa em latim. Não chegava lá, mas esta é uma evolução que claramente acrescentou valor ao nome. Gulpilhares é uma palavra cómica de se dizer, mas como é que se traduz para inglês? E fica bem? Pois. Mafamude e Alpiarça também. Outra difícil de traduzir é Carrazeda de Ansiães. Também temos nomes que são bastante mais directos. Para Freixo de Espada à Cinta é fácil de perceber a origem, apesar de lendária, mas há melhores. Carne Assada, em Sintra. Orelhudo, em Coimbra. Convém não dormir em Alhandra, pois tem uma Cama Porca, e ter cuidado em Ponte de Lima, para não cair no Rego do Azar. Em Arganil, alguém ficou com os Pés Escaldados, e mesmo que o Rego do Azar tenha água, é muito longe para lá ir ter. Por fim, passando em Santiago do Cacém, temos também Deixa-o-Resto.
    E assim andamos pelos caminhos de Portugal, sabendo que em lado nenhum há um nome melhor que Gulpilhares.