20 outubro, 2025

Já foste

    E a partir deste momento, um pouco de parvoíce em torno de sinónimos. Assim começa um sketch de Gato Fedorento. Não tenho mais nada a acrescentar, vou só aproveitar para usar o tema para uma coisa que me incomoda.
    Desemprego. Não tanto o estar desempregado, mas o deixar de ter emprego. Isto porque há montes de formas de ficar desempregado. No meu caso, que não tenho perfil para mandar em ninguém e sempre fui funcionário, posso ser despedido, ou despedir-me, dependendo de quem parte a iniciativa. Mas! Se fosse director de qualquer coisa, já seria demitido, ou me demitia. E isto incomoda-me. Na prática, são a mesma coisa, mas eu, enquanto mera engrenagem a mando do capital, nunca vou ser demitido, nem o meu chefe despedido. Nem nenhum de nós sofrerá o destino dos treinadores de futebol, que são afastados do cargo.
    E mais, subindo na hierarquia, nada disto acontece. Os “C-levels“ e administradores, e especialmente no sector público, já renunciam. Talvez um ou outro resigne, mas é raro. Se fizerem alguma asneira, aí já são destituídos, e se forem apanhados a fazer asneira, são imediatamente exonerados. Não posso dizer que o tempo em que estive desempregado tenha sido agradável, mas gostava de saber se a sensação é a mesma se for exonerado. Tem uma sonoridade mais requintada. Quase como ser despedido em Cascais ou na Comporta.
    Tudo isto quando já existe um verbo específico para a situação, que é “desempregar”, verbo transitivo de conjugação regular. Sobre isto é que o acordo ortográfico não fala, nem o Código do Trabalho. Esta sim, é a verdadeira luta pela igualdade laboral.

20 setembro, 2025

Como lidar com um amigo que tem sempre razão

    É uma pergunta, na verdade. Eu tenho um amigo que tem sempre razão, e não sei o que fazer. É bastante incómodo, porque argumentar dá-lhe combustível para chatear, e ficar calado alimenta a sensação de ter razão e “estar a ganhar”. De qualquer das formas, não pára de falar.
    E fala de tudo. É um tudólogo, cujo vasto conhecimento vai de macroeconomia ou geopolítica a períodos de gestação de diversos animais. E, como é óbvio, o que diz está certo, mesmo que soe a qualquer coisa absurda. Normalmente, começa com “vocês sabem o que é…” e diz uma frase aleatória, para depois poder acrescentar “é que as pessoas pensam isto e isto, mas não é bem assim”, e remata que ele é que sabe a verdadeira resposta. Pelo meio, deixa uns detalhes no ar com um “mas isso agora não interessa”, para mostrar que sabe ainda mais do que está a dizer.
    Se alguém duvidar do que está a dizer, ele não desiste até vergar essa pessoa à sua opinião. Se houver muita insistência, então aí há sempre um telefone discreto para procurar mais informação, mesmo que seja como os conspiracionistas que só procuram argumentos a favor. Por exemplo, há pouco tempo estivemos em Istambul, e ele comentou que a cidade era muito menos húmida que Lisboa, o que me pareceu estranho, porque, apesar de não estar à beira do oceano, é uma península com muito mar à volta. Na altura, não tínhamos internet, então o telefone apareceu umas horas mais tarde, para dizer que a humidade média em Lisboa era 3% mais alta do que em Istambul, portanto ele tinha razão. E segue por ali fora, sem aceitar que alguém o contradiga. Curiosamente, conta muitas vezes que tem colegas de trabalho com ideais políticos do espectro oposto ao dele (que não é propriamente bom), e que não discute política com eles porque o tentam forçar a aceitar a visão deles. Pois.
    Em geral, só respondo em duas situações: quando ele diz alguma barbaridade injustificável, ou com banhos de água fria. Eu gosto de tomar banho de água fria no Verão. Já li sobre o que o corpo faz, não tenho nada contra, só sei que com água fria fico fresco a manhã toda, e com água quente transpiro mais. Resposta final: sinto-me melhor com água fria, e isso deixa-o doido, o que é hilariante. Quando falamos do assunto, não aceita que isso possa acontecer e não me larga até eu dizer que estou errado, que ele sabe melhor o que sinto no meu corpo do que eu. E aproveito para argumentar que quando se vai à praia, está calor e tal, se dá um mergulho para aquecer mais um bocadinho, e que as pessoas que caem em água gelada no Inverno morrem de calor. Temos um amigo em comum que comprou uma daquelas piscinas desmontáveis fantásticas, mas, ingenuamente, só a monta no Verão. Como a água está fria, acabamos por nunca a usar, para não ficar com calor.
    Portanto, é isto. Gostava de saber como lidar com ele. Normalmente, não lhe respondo, mas ele há-de perceber que não oiço metade do que diz e é capaz de se chatear. Convém ter umas alternativas no bolso.

20 agosto, 2025

Por favor, aguarde

    Recentemente, viajei. É normal, muita gente o faz. Ainda por cima, estamos no Verão, quando mais se viaja. No entanto, vou fazer o que as pessoas que passam a vida nas redes sociais fazem: queixar-me de viagens.
    Esta viagem foi de avião, muito prático, e até essencial na mudança de continentes. Não sou um grande fã, prefiro andar de comboio, mas há sítios onde não dá para ir de comboio e, se formos, quando lá chegarmos, está na hora de começar a viagem de volta, o que só faz sentido se o objectivo for a viagem de comboio, tipo o transiberiano ou o expresso do oriente. Mas se o objectivo é passear pelo país de destino, então avião é melhor.
    A questão é que andar de avião é uma chatice. Vamos para o aeroporto para ficar à espera para fazer check-in, para depois ficar à espera da nossa vez na zona de segurança, esperar para saber a porta, esperar que a porta abra, esperar para entrar no avião, esperar que aquela família arrume as suas sete malas, esperar que o avião levante vôo, esperar para chegar, esperar para sair do avião, esperar pela mala, e, finalmente, esperar pelo transporte até ao hotel. Andar de avião é basicamente uma espera de 12 horas. E, por algum motivo misterioso, é preciso estar no aeroporto às 5 da manhã, para a espera começar pela fresca. No regresso, é igual, mas chegamos a casa depois da meia-noite. E durante este tempo todo, não podemos ir a lado nenhum, temos de ficar onde estamos.
    No comboio, não se espera tanto. Há atrasos e tal, mas são de um quarto de hora ou qualquer coisa parecida, e a viagem é bastante mais agradável, e confortável. A espera mais chata é na estação, onde os avisos de atraso são um autêntico contratempo. A mensagem gravada diz, pausadamente, que “o comboio intercidades, CP longo curso, proveniente de Coimbra B com destino a Lisboa Santa Apolónia, que deverá dar entrada na linha número 2, circula com um atraso de… 14 minutos. A sua hora prevista de chegada é às 15h44”. Entretanto, já adormeci. Não bastava dizer “o intercidades das 15h30 para Lisboa está atrasado 14 minutos”? As pessoas chegaram à hora marcada e nota-se se um comboio gigante não estiver na estação. E é preciso dizer “intercidades, CP longo curso”? Um intercidades é de longo curso por definição, se não, era um regional ou um urbano (o regional começa o aviso com “o comboio regional, CP regional…” para o caso de alguém não ter percebido que era regional). De resto, é só seguir até ao fim e ir de metro para casa.
    Fora estas partes, o resto da viagem foi muito boa. Recomendo a quem gostar de conhecer sítios diferentes. Só é pena ter de viajar para lá chegar.

20 julho, 2025

Isto não é como agora

    Agora que estamos a uma distância de segurança do apagão, podemos reflectir sobre o dia. Em relação à minha experiência, vou só dizer que adorei, já houve gente suficiente a falar sobre isso. O que me lembrei foi que estas coisas são pouco frequentes.
    Cresci nos anos 90 e, de vez em quando, a luz ia abaixo. Havia uns tremeliques nos candeeiros e já se sabia que ia acontecer. Também vivi o grande apagão da cegonha, que deixou metade do país às escuras (os negacionistas vão dizer que uma cegonha não podia fazer tal coisa). Em geral, era esperar um bocadinho e lá voltava. No caso da cegonha, foram duas horas. Tudo normal. A evolução tecnológica fez com que estes acidentes fossem cada vez mais raros, o que é bom, mas perde-se o encanto de ter velas espalhadas pela casa. Agora, se o quisermos fazer, tem de ser por vontade própria. Não tem a mesma magia.
    Também sabíamos que no Inverno havia zonas que ficavam alagadas. A Praça de Espanha tornava-se numa piscina municipal e podíamos ver carros e autocarros a passar pelo meio a fazer ondas. Agora está tudo (mais ou menos) desentupido, e a tuneladora da câmara municipal vai tratar do resto.
    E nas comunicações? Quem não se lembra de esperar pelas nove da noite para ligar pelo telefone fixo, porque era mais barato? E ter ataques de pânico porque se carregava sem querer no botão da internet no telemóvel e o saldo desaparecia? Agora temos uma subscrição mensal que tirou este frisson da comunicação. Estamos permanentemente contactáveis. Dantes, alguém ia viajar e só sabíamos que estava vivo quando aparecesse na zona de chegadas do aeroporto. Agora, com ajuda das redes sociais, sabe-se tudo a toda a hora. Se não atendermos o telefone à hora de almoço, temos a polícia a bater à porta à noite porque os nossos amigos ficaram preocupados.
    Há uns meses, apanhei um acidente na A1 que cortou as três faixas, e acabei por ficar quase 90 minutos estacionado no meio da auto-estrada. Faltou-me um livro, mas soube bem desligar durante aquele tempo, tal como depois no apagão. Se não tiver de ser eu a tratar disso, gostava de repetir.

20 maio, 2025

Isto é futebol!

    Estamos a chegar ao fim da época de futebol. Infelizmente, isso não significa nada, porque agora vem aí um mundial de clubes que ninguém quer jogar, excepto quem está a pensar nas demonstrações de resultados. Quando acabar, já estamos perto dos play-offs para as competições europeias, e recomeça tudo.
    Entretanto, enquanto o pau vai e vem, temos uma pausa dos lugares-comuns que imperam no futebol. Principalmente, vamos poder descansar da expressão “nesta altura do campeonato”, visto que não há campeonato. Até porque esta expressão nem faz sentido, porque é usada em momentos menos bons, mas, no fundo, não há altura nenhuma do ano em que esses momentos possam acontecer.
    Os jornalistas também vão sofrer. Já ninguém vai endossar bolas que são recepcionadas pelos colegas, e o esférico não vai rolar para lado nenhum. O jogo não vai virar e não vai haver nenhum jogador com pendor ofensivo. Não vão poder estar duas horas a comentar tudo o que cada jogador faz todos os dias, excepto no jogo que está a decorrer no momento, ou para onde irá no próximo mercado de transferências. Vê-se futebol não para ouvir o relato do jogo, mas para estar a par da vida difícil dos jogadores.
    Por outro lado, podemos aproveitar este tempo para pensar um bocadinho em algumas coisas. Ou, aliás, numa coisa. No último mês, tem havido várias notícias sobre problemas com vício de jogo. E depois ligamos a televisão, e há anúncios de sites e apps de apostas aos pontapés, a liga é patrocinada por uma casa de apostas, e muitos clubes têm patrocínios de casas de apostas na camisola. Não sou advogado, nem nunca estudei nem nada, mas gostava de saber se isto não é um conflito de interesses, visto que as casas de apostas ganham a vida com resultados desportivos… de organizações que elas próprias patrocinam. Se calhar, não é, não sei. Só faço a minha parte, que é não comprar uma camisola do meu clube (vamos, gansos!), enquanto tiver uma casa de apostas na camisola.
    E pronto. Por agora, temos um compasso de espera antes de voltar à carga e começar a distribuir jogo por tudo o que é serviço pago, porque o objectivo é chegar ao maior número de pessoas possível, obviamente. É por isso que é pago, e não transmitido nos canais da FIFA, da UEFA, ou de quem for. Para chegar a mais gente.





Não relacionado, 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.


20 abril, 2025

O rei morreu. Felizmente, estou cá eu

    De vez em quando, morre gente. É natural, e toda a gente tem tendência para o fazer pelo menos uma vez na vida. Mas às vezes, morre gente famosa, e isso é muito chato. Chato por morrer alguém, claro, mas também chato pelos que ficam. Não para os que ficam, isso é só quando morre alguém próximo. É mesmo pelos que ficam.
    As pessoas famosas têm colegas de profissão, igualmente famosos, e pessoas que tentam ser colegas e famosas. Nesta era das redes sociais, isso é uma grande chatice. Lemos a notícia, e têm logo vários links para posts de outras pessoas a lamentar a partida do defunto, metendo pelo meio uma certa e determinada autopromoção. Quantas vezes vimos já textos tipo: morreu fulano tal, uma grande perda. Nunca me vou esquecer daquele dia em que me cruzei com ele, completamente por acaso, no café onde ia todas as manhãs, e me disse “tu vais ser o futuro do romance histórico no país, aguenta-te firme que as pessoas vão perceber”. Verídico? Possível. Apropriado? Discutível.
    Ou: morreu fulano tal, a música nunca mais será a mesma. Apesar de já não fazer nada de novo há 20 anos, disse-me uma vez que eu era o herdeiro do espírito criativo e de ruptura com a norma que o trouxe para os grandes palcos nos anos 1980.
    As televisões e a rádio também têm alguma culpa. Também gostam de telefonar a famosos aleatórios a perguntar o que achavam do morto, e é sempre na linha do “gostava muito dele, e ele de mim, costumava enviar-lhe as minhas coisas novas e ele respondia sempre que tinha gostado muito, era um grande admirador da minha obra”.
    A questão é que é para falar da outra pessoa. Se a pessoa é famosa, basta ir à net e escrever o nome, nem é preciso inventar nada. Recomendo a estandardização: os telejornais escrevem um texto do tipo “acabei de saber e fiquei triste, fez excelentes contributos na sua área, vou ter saudades”. E pronto. Se for assim curtinho, podem ter montes de gente a dizer que ficou triste, não se perde tempo com desvios de conversa.